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Incomensurável Paixão

Casa de Cultura Laura Alvim 2022

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Equilíbrio

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Sou poeira cósmica! 
Vagando pelo espaço chego revestida de carne e osso…

e como fagulha humana aporto neste mundo completamente estranho para mim…
percebo de imediato que a jornada será árdua e que para ganhar fôlego tenho que respirar profundamente e conseguir gritar alto… 
muito alto, para marcar, desde já, meu território, onde, de olhos bem abertos, observo atônita tudo e todos e me questiono, absolutamente
ignorante que sou, como proceder e assim vou…
sem saber nem o porquê e sem entender nada, mergulhada apenas em emoções profundas e jamais superadas pelo tempo, começo a engatinhar neste fio fino, elástico, tênue e tão frágil que se chama VIDA!

Consequentemente, sinto a importância de me equilibrar, equilíbrio desqualificado na maioria das vezes, mas completamente necessário
se quiser me manter em pé! 
Firme! 
Alongada…
Os quatro ventos me balançam bravamente e sopram desordenadamente, bradando aos céus que eu irei cair, mas
insistentemente me mantenho ali, teimosa que sou… 
preciso permanecer ereta! 
Não importa se estão apenas brincando com meu cabelo ou só zombando do meu medo de não escorregar, de me espatifar no chão.
A torcida em volta é grande, uns me elevam outros me mantém estática, nem para frente, nem para trás, alguns me reverenciam, 

muitos tentam me derrubar, mas muito poucos me dão as mãos e me fazem atravessar…  

continuo no caminho…

vou… volto, paro! 
Paro, volto, vou… 
Para onde? 
Por quê? 
Para quê?
Recomeço sempre, sempre tendo cuidado de reiniciar pormenores…
recorto recortes incertos,  reinvento caminhos que faço questão de reviver,  Atravessar novos mundos!! 

Quero apenas sair do zero e não ser mediano!! 
Quero conquistar o LÁ!
Mas o meio impera constantemente…
recordando a minha maldita mediocridade… 

Existe uma reta incerta, que não sei onde vai dar… 
curvas acentuadas escondem o destino que me espera…
curvas fechadas dispostas a me fazer derrapar…

Vou então para cima, vou encimar, vou coroar… 
NÃO! 
Vou para baixo…
tão… mas tão baixo… que quase penetro o Hades, e sinto o hálito quente de Perséfone… 

Vou então para o alto… para baixo… 
me arremesso por inteiro!!

Quero experimentar o limite do TUDO e o do NADA!

Quero alcançar além… 
muito além da beirada do mundo… quero me jogar…
zunir minhas entranhas contra o paredão e transpassá-lo absoluta… 

Quero sonhar!
Cada sonho sonhado é uma expectativa acalentada, tudo pode acontecer, para o bem ou para o mal, basta apenas dobrar a esquina seguinte…
Quero ter acesso a esses pequenos fragmentos que norteiam minha vida, que despontam na madrugada, como pedaços embaralhados
que trazem tanta confusão… me sinto perdida… completamente sem chão… outras vezes são tão objetivos que explicam claramente sua
razão… mas quando me pego sonhando de olhos abertos, vejo os meus desejos mais sublimes… esses sim são meus sonhos sonhados,
pretendidos, ansiados… são pedaços de algo que trago escondido na alma, um tesouro enterrado no meio do meu peito e que ninguém,
além de mim mesma pode sonhar, acessar… 

volto a pensar no fio…

Os pontos da bússola enlouquecem e ora é norte, ora é sul 
Eu vou para o leste ou oeste? 
Eu vou por aqui… 

Ganho força! 

É sol de meio-dia, não consigo ver minha sombra. Sou apenas um ponto de luz, que insiste em aparecer para o mundo… 

Preciso arriscar… 
quase despenco neste despenhadeiro íngreme, incerto, nada
certeiro… 

eu tenho que ter coragem de ir longe, muito longe… longe de tudo…
longe do nada… 
mas o fio insiste em mexer, balança, sobe alto demais, desce
repentinamente…
essa oscilação me sufoca… 
engasgo com essa corrida insana sobre barbantes escorregadios…

me recupero… 

TEMPO… tempo… TEMPO… tempo… TEMPO… tempooooooo

Que caminho tomar? 
Vou atrás do arco-íris, dos sonhos dourados!! 
Nossa que felicidade… 
tenho meu eu enebriado de tanto prazer… 
quero que dure a eternidade… 
tudo agora são sorrisos, gargalhadas que ecoam alto!
Delícia estar acompanhada de tanto êxtase! 
Dobras do tempo me presenteiam com presenças inusitadas, inebriantes… quero permanecer assim… parada… apenas usufruindo
disso tudo…
Mas não consigo… novamente o tempo…
Tempo… tempo…que balança o fio rabiscando o ar…

Olho! 
Vejo surgir algo, o que será? 
Novas perspectivas me rondam… 
roem as cordas em que me encontro assentada… 

são minhas próprias sombras que aparecem para me assombrar…
espreitar sorrateiramente…

tempo… 
tempo sombrio… nefasto… 
cinza escuro…
tempo… tempo… tempo… tempo… tempo… tempo…

arames farpados cortam meus pés durante o trajeto… 
mas não esmoreço e vou… disparo… me dilacero… continuo… não
paro… prossigo … 

passo a passo, na ponta dos pés me equilibro desengonçada,
tentando evitar a queda que se anuncia… 

Tempo… tempo… 

Nada é eterno… tudo muda… tudo passa… tempo muda o tempo
todo… tempo…

tempo que passa zunindo, tempo que passa adiado, tempo que passa
passando, tempo que passa arrastado… 

tempo… tempo… TEMPO!
Esse aliado constante que me acompanha onde quer que eu vá, cola em mim e me faz lembrar que não tenho o tempo todo que
quero… que preciso… que clamo… 

Agora parei! 
Zerei novamente!
Estagnei!! 
Estou perdida… não consigo reiniciar… 

As sombras me perseguem… não consigo pensar direito, momentos pesados, enrolados, consumidos me assombram, me deixam inerte… 

O tempo todo oscilo, o tempo todo me perco pelo caminho e retorno…

Por quê?
Por quê?

Nascimentos inesperados, amores conquistados, paixões desenfreadas, mortes anunciadas, passam a galope durante minha
permanência agoniada neste fio desdobrado pelo caminho a fora… 

O que acontece comigo? 
Por que estanquei? 
Por que não consigo dar o próximo passo? 

Eu não posso parar! 

Recorro aos sonhos perdidos.
Mergulho em momentos pretéritos, coloridos, que amansam meus pensamentos e me fazem voltar ao fio ampliado que balança à minha
frente bravamente!! 
Tempo… tempo… tempo… tempo... tempo...

Agora sei dirigir minha nau, 
viajo por mares bravios,  espreito a violência do fogo, aguento firme a tempestade nas velas, o que importa agora é chegar sã à terra, onde espelhos refletem meus eus, minha alma em pedaços … 
sou múltipla e me vejo do lado de lá totalmente recortada… 

não entendo… 
continuo me buscando nos retalhos refletidos … 
tento e consigo resgatar algumas das minhas migalhas nessa imensidão à frente… 

Luz, amor, sombras, prudência, carinho, afeição, obscuridades me afrontam, mestiçam profundamente… conseguir me equilibrar entre
esses sentimentos antagônicos é surreal… 

Enquanto o tempo corre, galopando contra ele próprio, o vermelho que corre quente nas minhas veias passa em disparada bradando por mais um dia aqui, mas ele, o tempo, me avisa sutilmente sussurrando  em meus ouvidos que o fio não me aguenta mais, que chegou a hora de tomar coragem e me lançar de vez no espaço vazio… 
tenho agora a alma livre e bem devagar…

sem pressa alguma… 
e sem medo nenhum…

simplesmente… 
me permito partir… 
procurando novamente vaga na eternidade…
Meu tempo acabou.

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